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BEM MAIS DO QUE TREMOR


(foto: Helena Rocha)

 

Roger Lerina

É tudo muito simples e direto em "Tremor and More": um bailarino, uma mesa, uma música. Um jovem entra em cena caminhando, encosta-se no móvel e começa a abrir e fechar a mão direita – movimento que se espalha pelo braço e contagia o corpo. Faz-se então o som: uma guitarra pulsante, grooves sintetizados, metais funky, bateria marcada e a voz rascante de uma cantora acompanharão durante cerca de 30 minutos os tremores (e mais) de Jorge Ferreira.

Herman Diephuis, coreógrafo holandês radicado na França, diz ter ficado impressionando com a inventividade e a agilidade do bailarino durante um workshop realizado em 2016 em Brasília – e decidiu criar um solo em colaboração com o brasileiro de 23 anos. O resultado é um trabalho que, apesar de estar na fronteira entre dança, performance e teatro físico, não tem nada de formalmente complexo: "Tremor and More" é uma celebração do corpo e de sua possibilidade de apoderar-se do espaço. O francês Pierre Boscheron transformou os menos de três minutos do sacolejante funk rock "Nutbush City Limits", da dupla norte-americana Ike & Tina Turner, em uma trilha sonora de meia hora, remixando o tema e destacando sua levada rítmica.

A escolha da canção justifica-se para além de suas qualidades dançantes: lançada em 1973 pouco antes de Tina Turner se separar de seu parceiro, com quem mantinha um relacionamento abusivo, "Nutbush City Limits" lembra a infância na cidadezinha rural sulista onde a cantora nasceu. Para Ferreira, a letra do tema ecoa sua própria condição marginalizada de negro, pobre e gay. Talvez por isso "Tremor and More" seja tão explosivo: mais do que exercício virtuosístico de um intérprete explorando as potencialidades do corpo enquanto objeto em movimento, o espetáculo apela ao sensorial – tanto do bailarino quanto do público – ao trazer à flor da pele a vitalidade latejante e a vontade urgente de emancipação característicos da juventude. Pode parecer só tremor, mas é bem mais.

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