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NOTURNO PARA CHOPIN


(foto: Juliana Alabarse)

 

Roger Lerina

Na açucarada cinebiografia "À Noite Sonhamos" (1945), a trajetória do ultrarromântico Frédéric Chopin (1810 – 1849) é contada em tom de sentimentalismo exacerbado. Evitando essa visão corriqueira exagerada a respeito da vida e da obra do compositor polonês, "Chopin ou o Tormento do Ideal" propõe no palco uma evocação equilibrada e de bom gosto do espírito do músico cuja obra significou uma reinvenção do piano. Em cena, estão duas das maiores artistas do Brasil: a atriz Nathalia Timberg e a pianista Clara Sverner – bisando a parceria de "33 Variações", montagem de 2016 em que as duas homenagearam Beethoven. Dirigido por José Possi Neto, o espetáculo-recital concebido pelo ator e autor francês Philippe Etesse reúne peças de Chopin executadas ao vivo por Clara com textos diversos ditos por Nathalia – incluindo passagens da vida do pianista, cartas de George Sand e declarações e poemas de Musset, Liszt, Baudelaire, Gérard de Nerval e Saint-Pol-Roux.

Um dos destaques de "Chopin" foi a solução encontrada para a cenografia: à medida em que se mencionam episódios da história do compositor, videografismos com imagens de pessoas, cidades, teatros e residências são exibidos ao fundo – as projeções em preto e branco aparecem de forma fluida e sutil, emoldurando o espaço cênico como elegantes marcas d'água sobre as telas escuras. Esse caráter fugidio, aliás, dá o tom da própria encenação, que não constrói uma narrativa cronológica e didática da biografia de Chopin, preferindo esboçar o perfil de seu objeto a partir das ideias, anseios e frustrações do artista.

Grande dama do teatro brasileiro, Nathalia dá voz a vários personagens – inclusive o próprio Chopin. Talvez por conta de estar estreando esse novo trabalho no Porto Alegre Em Cena, a atriz parecia um pouco nervosa na sessão de sábado, titubeando no texto, especialmente na primeira parte do espetáculo. Mas o incômodo real está na dramaturgia: alternando as intervenções narradas com interlúdios musicais, "Chopin" ressente-se da escassez de atrativos dramáticos, evadindo-se em divagações que, a despeito de sua relevância ou beleza, às vezes deixam o ritmo da ação excessivamente ralentado. Apesar dos momentos rarefeitos em demasia, "Chopin ou o Tormento do Ideal" acerta ao dispensar uma abordagem romântica descabelada, apresentando um quadro delicado e sensível de seu personagem.

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